Yo!
Como jah se espalhou pela net, o filho do linguarudo do Kiss Gene Simmons, Nick Simmons, com seu Incarnate, se tornou alvo da indignacao de todos que curtem quadrinhos. Seu DA foi invadido por mensagens referentes ao caso, toda a midia especializada deu atencao e a editora americana Radical Comics, responsavel pelo titulo, tirou ele de circulacao. Ele copiou, nao soh os tracos de Tite Kubo, autor de Bleach, mas tambem quadros inteiros, algumas sequencias… Algo que chega a doer nos olhos.
Porem, estah Nick tao errado assim?
A atitude, chamada de Tracing, que eh simplesmente copiar uma arte ou fotografia, por incrivel que pareca, faz parte do cotidiano do mangaka.
Quem nunca viu as mesas de luz nas fotos de estudios dos mais diversos artistas? Esse instrumento eh usado exatamente pra fazer o tracing de cenarios, coisa que acelera em muito o processo corrido por tras de um manga. Alguns usam a mesa de luz para copiar seus proprios tracos, para eventuais revisoes de arte, como fez Kazuki Hagiwara, autor de Bastard!, para retocar as partes censuradas de seu polemico manga.
Mas pular dai para o uso de referencia, tanto fotografica quanto de outros artistas, eh muito facil.
Claro, a maior parte dos artistas tem seu proprio estilo, treinaram por anos e sao bons o suficiente para nao depender disso. Mas nem todos jah estao nesse nivel.
Desenhar, por incrivel que pareca, nao eh um dom. Nao eh uma coisa que voce nasce sabendo. Voce precisa desenhar muito, estudar muito e passar horas e horas de sua vida em frente de sua escrivaninha. E parte desse processo eh copiar os desenhos de alguem pra aprender as solucoes visuais que essa pessoa criou para reproduzir o real, o que eh visto com os olhos. A partir dai, muitos artistas repensam as solucoes, comparam com outros artistas e refazem dentro de seu pensamento. Parece facil. Mas isso leva anos, e precisa de muito empenho do artista. Nao basta estar na frente da mesa, com um papel branco, rabiscando com referencias. Eh preciso pensar, estudar.
A grande maioria dos leitores e apreciadores de quadrinhos tem por costume desdenhar esse esforco. Eh talento, apenas. Alguem que nasceu pra isso. As vezes pode ser, mas os anos que os artistas perdem afiando seu traco sempre acabam indo para o limbo nessas horas.
Nesse cenario, nos temos a editora, e os editores, que muitas vezes, por despreparo, por necessidade as vezes, acabam pegando artistas despreparados para fazer um trabalho. Esse parece ser o caso de Nick.
Buscando no Wikipedia, descobri que Nicholas Tweed-Simmons tem 21 anos. Ele jah apareceu na TV, no reality show sobre sua familia e publicou seu primeiro quadrinho na antologia Gene Simmons House of Horror, pelo selo do proprio Simmons. Mas antes de tudo, ele eh um garoto que ficou famoso por tabela, por causa de seu pai.
A Radical Comics, editora que publicou Incarnate, eh mais uma das varias editoras minusculas do mercado americano. Seu trabalho de maior destaque talvez seja a serie “The Last Days of American Crime”, que vai virar filme com o astro de Avatar, Sam Worthington. Nao achei mencoes ao editor responsavel pela revista, mas a editora eh tocada por Barry Levine, artista de quadrinhos e fotografo de bandas de rock, inclusive o KISS. Ele tem em suas revistas, gente como Yoshitaka Amano, Warren Ellis, Luis Royo, Bill Sienkiewicz, Peter Milligan. A premissa de suas revistas eh fazer conteudo de alta qualidade artistica, de acordo com a descricao do site oficial.
Uma pessoa com tempo de carreira, claro, deve saber o que eh um amador e um profissional pela qualidade de seu traco. Nick eh um amador. Seu Deviant Art mostra o quanto ele ainda estah cru, e precisa treinar. Mas a editora, possivelmente pelo elo que tem com o pai de Nick, ou simplesmente pelo sabor do nome famoso, decidiu dar uma revista inteira para o garoto. Diante da realidade de ter que fazer uma revista de alto nivel, Simmons, que tinha como costume copiar mangas (vide seus rascunhos, postados no Deviant Art) fez o que achou mais certo: aproximou-se de seus colegas de casa copiando um artista de sucesso.
Para qualquer um que curte quadrinhos, ter sua chance ao sol eh um grande motivo de alegria. Afinal, eh um sonho realizado. E por causa disso, mesmo que tenhamos ciencia de nossas incapacidades, nos precisamos tentar. Pra nao deixar passar.
O trabalho do tracing eh muito maior que o de desenhar por conta propria. Nada justificaria um artista que sabe desenhar usar a tecnica para fazer suas paginas. Eh ilogico, irracional. Mas para um artista que se sente limitado e que ainda tem dificuldades banais, como desenhar o corpo humano, uma mao, uma expressao diferente, isso eh necessario ateh.
Nada justifica a acao, claro. Mas eu daria uma chance para Nick, afinal, eh de chances que um iniciante precisa para crescer e se tornar um alicerce para o mercado.
Isso pode ser sentido no proprio mercado japones.
Takehiko Inoue, artista de Slam Dunk e Vagabond, apos um periodo como assistente de Tsukasa Hojo, artista de City Hunter e Cat’s Eye, teve sua chance de ouro com a publicacao do manga de basquete Slam Dunk, em uma epoca em que ainda era muito novo e inesperiente.
Inoue era esportista no colegio. Jogou basquete e nao teve tanto contato com o manga ateh sua vida adulta. Slam Dunk comecou quando Inoue tinha 23 anos, dois anos apos se formar na Faculdade de Artes de Kumamoto. Seu contato inicial com arte foi durante os ultimos meses de colegio, virou assistente logo ao terminar o curso superior. Nao eh de surpreender o fato dele ter usado fotos oficiais da NBA, de revista de basquete japonesas, para desenhar as cenas de jogos. Veja bem, cinco anos eh um tempo muito curto para se aprender a desenhar BEM, como Tsukasa Hojo, que ele claramente buscava como meta.
Tanto por influencia do traco realista de Hojo quanto por seu tempo como aluno de artes, Inoue buscava ser real em seus desenhos, mas com despreparo. Ele proprio, em entrevistas recentes, disse que nao estava pronto ainda na epoca. Porem, ele treinou muito nos anos como profissional e hoje, ele desenha tao bem que chega a nao usar referencias nem para desenhar os quimonos de Vagabond, que ele proprio diz serem irreais, saidos de sua cabeca, feito de materiais que nao existem.
Mas Inoue era empenhado, e treinava, alem de estudar coisas mais importantes para seus mangas. A narrativa visual de Slam Dunk mostra claramente a evolucao como contador de historias de Inoue. Ele brinca com o que aprende e chegou a fazer o ultimo capitulo da serie completamente mudo, somente com imagens, uma coisa perigosissima, mas que eh por si, a real essencia da HQ, que eh contar com imagens uma historia, fugindo da descricao detalhada de uma historia literaria.
De um tracer de fotos de basquete, nos tiramos uma das series mais importantes da historia do manga e de seu trabalho posterior, outro valiosissimo alicerce numa epoca em que o manga sofre com a impopularidade diante aas outras midias.
O proprio Inoue acabou sendo alvo de uma autora novata, Yuki Suetsugu, que com seu manga “Eden no Hana”, copiou cenas, paginas e detalhes de Slam Dunk, Peach Girl e de albuns de fotografia famosos.
Suetsugu estreou cedo. Em 1992, aos 17 anos, ela venceu o concurso de novatos da Nakayoshi, mas somente aos 20 ela teria sua estreia como autora. Eden no Hana saiu cinco anos depois.
Nesse caso, acho que existem outras barreiras. Suetsugu nao era nenhuma novata. Desde que venceu o concurso, ela tinha um editor para ver seus trabalhos e indicar os caminhos para que a autora pudesse ter sua serie. Na ocasiao, ela jah tinha quase dez anos no mercado, e uma carreira de cinco. Porem, foi pega em outro ponto.
(imagens acima de SWITCH, de Rin Yoshii, serie paralizada pela Shueisha por causa da acusacao de plagio. O material todo da bibliografia da autora foi revisto apos o incidente)
A autora nao conseguiu emplacar nenhuma de suas historias curtas. Quando finalmente conseguiu uma serie, com “Itoshii Kimi”, a serie durou apenas um volume. E ela jah tinha vinte e cinco anos.
Pra explicar o caso, temos que explicar como funciona o mercado de quadrinhos japoneses de orientacao feminina.
Ao contrario do milionario mercado de quadrinhos masculinos, lidos por ambos os sexos em muitos casos, o mercado de shojo eh mantido por titulos de duracao curta e alguns sucessos longos. As revistas vendem menos e rendem menos as suas editoras. E isso leva ao ponto em que eu quero chegar.
Em geral, um editor de uma Shonen Jump toma conta de apenas dois autores, mais alguns novatos, tem uma equipe de apoio no escritorio e um editor-chefe. Na maior parte das revistas femininas, o editor toma conta de vinte autoras, as vezes, de toda uma publicacao. Tem uma equipe bem menor para apoio. E isso acaba revertendo para as autoras iniciantes, que nao recebem apoio devido e sao cortadas muitas vezes, antes mesmo de conseguir colocar um titulo serial na revista.
Sem esse apoio, muitas nao sabem como melhorar, o que fazer, nem mesmo recebem criticas, somente o negativo/positivo. Eh quase como continuar sendo amador, correndo sem rumo. Ter um editor para ser o seu norte eh um diferencial enorme para os artistas.
Como se nao bastasse, o preco por pagina de uma revista shojo eh bem menor que o de um grande titulo shonen. Os assistentes sao pagos pelos proprios artistas aqui no Japao, em geral, com o valor recebido por paginas. O lucro, vem da venda de encadernados. Mas mesmo eles, no shojo, demoram mais, pois as revistas em geral tem periodicidade mensal, menos paginas por historia, etc. E vendem menos, num plano geral, claro. Com isso, usar assistentes eh um luxo, que muitas artistas nao tem.
Sendo assim, o volume de trabalho que pesa para a autora eh muito maior. Eh por isso que muitas vezes, vemos o shojo ser feito com tecnicas rapidas, incluindo o tracer.
Agora, voltando para Suetsugu, imagine como ela deveria estar, oito anos apos ter vencido o concurso, sem uma unica serie de sucesso. Para os homens, isso eh desesperador. Para uma mulher, isso pode ser ainda pior. Na industria, as mulheres tem prazo de validade, ditado pela idade em que a maioria corre atras de um casamento, estabilidade e filhos. Tambem por isso, elas entram no mercado muito cedo, algumas ainda no ginasio. Muitos editores demarcam a linha dos 28 anos como prazo para uma autora conseguir se firmar. Senao, eles proprios propoem a artista abandonar a carreira antes de perder a vida para os quadrinhos.
Suetsugu tinha 25 quando conseguiu sua chance de ouro. A pressao, propria, dos leitores e do editor, deveria ser grande. Eden precisava vender! E sua incapacidade nao poderia segurar ela dessa vez.
Ela fez tracing para cobrir sua falta de habilidade e conseguiu seu lugar ao sol. Hoje, ela se tornou uma autora respeitada, ganhando o premio Manga Taisho, dado pela associacao de lojistas, por Tihayafuru, derrotando 3gatsu no Lion, de Umino Chika (Hatimitsu to Clover), o divertidissimo Saint Young Men, Toriko e Uchuu Kyoudai, entre outros.
Sua falta de capacidade como desenhista, se tivesse jogado sua carreira no lixo, teria tambem enterrado esse trabalho e os possiveis trabalhos futuros que a autora virah a fazer. Poderia ter transformado seu talento em CONTAR HISTORIA (algo que estah alem do efeito visual) em rancor guardado atras de uma pia cheia de pratos sujos. Nao me entendam mal, ser dona-de-casa eh algo digno. Mas ninguem quer ter seus sonhos destruidos pela realidade, dura como uma parede de concreto.
Os artistas brasileitos sao os que mais deveriam entender esse caso em particular. Castrados de uma via JUSTA de trabalho, nos vemos os nossos talentos escorrerem para outras areas, e podemos ter perdido nosso Will Eisner, nosso Osamu Tezuka para um escritorio de direito ou o balcao de um boteco.
O ultimo caso que gostaria de citar eh o do veterano Kaiji Kawaguchi, que criou um dos maiores sucessos do publico adulto serio (ou seja, aquele que nao eh mulher pelada, sangue e armas), Zipang, alem de varios outros titulos inteligentes e que chamam atencao pela maestria em lidar com assuntos politicos.
Kawaguchi estreou com 20 anos, em 1968. No comeco de sua carreira, ele foi usado apenas como artista, desenhando roteiros de outras pessoas. E assim foi, por mais de vinte anos de sua carreira. Aos poucos, ele criou alguns trabalhos sozinho, mas foi somente com Chinmoku no Kantai (The Silent Service, no Ocidente), 22 anos depois, que ele provou que poderia fazer um trabalho com personalidade. Mas aas duras penas.
O autor precisou se desculpar de dois plagios. O primeiro, para o veterano Tetsuya Chiba, de Ashita no Joe, que teve uma sequencia de acao com avioes de guerra completamente copiado de seu Shidenkai no Taka (A Aguia Purpura, ou algo assim), publicado na Shonen Magazine em 1963. E o outro para Mitsuo Shibata, fotografo militar, que teve fotos usadas para tracing na serie.
Veja bem, estamos falando de um autor com 22 anos de carreira e trabalhos consolidados. Estamos falando de um dos grandes nomes vivos e operantes do manga de hoje. Que copiou, claro, por que era necessario. Nao eh todo dia que voce ve porta avioes e submarinos para fotografar material referencial proprio.
Kentaro Takekuma, editor, e autor do livro Even a Monkey can Draw Manga (o titulo japones eh traduzido “Curso para Manga que ateh um macado pode fazer”) diz que o tracing eh algo tao comum e inevitavel no mercado japones de quadrinhos que se proibirmos a acao completamente e punirmos os casos existentes, nao teremos mais nenhum autor de sucesso.
Atualmente, Takekuma ministra o curso superior de Producao de Quadrinhos, uma especie de curso superior para editores de manga. Com sua bagagem na cult Gekkan IKKI, ele diz que “estamos numa era terrivel”, onde a internet crucifixa os autores e desvia os olhares de onde realmente deveria ver em um manga, a capacidade da historia.
Realmente, talvez os varios casos que temos hoje em dia de plagios desmascarados sejam simplesmente o advento da internet, aliada a boa e velha falta do que fazer. No Japao, os cacadores de plagio em geral sao circulos de quadrinhos, gente que passa o dia todo lendo manga, comprando bonequinhos e comentando sobre isso entre si, entre uma aula e outra da faculdade ou do colegio. A equipe que desmascarou Eden no Hana organiza um fanzine, distribuido na Comic Market, famoso evento do quadrinho amador japones.
O tracing existe faz tempo. O limite da copia e da homenagem eh estreito e irregular. Cada um o entende como quer. Cada um o julga como quer. Mas ingenuo eh aquele que considera isso uma ameaca aos bons quadrinhos. Esses, sem a menor sombra de duvidas, estao muito alem de sua propria arte. Jah ganharam vida propria, e isso, nao se copia com um acrilico difusor e uma lampada.
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PS: Tanto Inoue, quanto Kubo, a NBA e Chiba nem se pronunciaram sobre os plagios em si. No maximo, acharam graca. Copiem o melhor das obras, mas copiem SE PUDEREM! Quem SOH copia, tem um limite, que eh sempre dois palmos abaixo do original, que este sim, desconhece barreiras.
PS2: Leiji Matsumoto, autor de Galaxy Express 999 e Yamato, eh um dos poucos autores que choram pitangas por qualquer suspeita de copia. Ele tomou na tarraqueta recentemente, por acusar um compositor de copiar uma frase sua em uma musica. Ele tambem se considera pai de Star Wars e Gundam, dizendo ateh que Lucas deveria passar para cumprimenta-lo alguma vez, em respeito. Por respeito, os profissionais costumam ignorar essa peculiaridade no velhinho.
(imagens tiradas do forum Bleachness, do site da Radical Comics, do Slam Dunk Trace, do New Soku Quality. De resto, elas pertencem a Chiba Tetsuya, Kawaguchi Kaiji, Amano Kozue, Inoue Takehiko, Kubo Tite, Yoshii Rin, NBA, Ueda Miwa, Hojo Tsukasa, Ikegami Ryuichi, Fabio Sakuda (^___^), e claro, Nick Simmons. Entrevista de Takekuma, tirada da ITMedia)
Adorei sua materia sobre plagio e artistas.
ResponderExcluirConcordo com vc. Existe aqui também no brasil! Também no mundo!
Parabéns q vc ousou colocar isso no seu blog!
é Importante a gente precisa conhecer essa materia pra evitar o plagio!
É necessario a estudar e treinar.:)
Muito bom esse post. *****
ResponderExcluirMatéria magnífica sobre esta prática do tracing! Blog com um conteúdo muito necessário para os amantes do Manga e das HQs! Gostei!
ResponderExcluirEu não acho justificativa boa o suficiente pra tracing numa página inteira de mangá. Criatividade deveria ser estimulada, não a capacidade de reprodução de imagem.
ResponderExcluirgwy
ResponderExcluirMeu pensamento é o seguinte: O desenho é secundário e querendo ou não, vai melhorar com o tempo. Já um bom contador de história, não se encontra tão facilmente.
Por isso, NUM INICIANTE, copiar, até certo ponto, pode ser aceitável, apesar de não ser louvável. E a história precisa ser MUITO melhor nesse caso.
Suetsugu ganhou prêmios e tem destaque hoje, assim como Inoue. Copiar, no inicio de carreira, sustentou-os o tempo necessário pra crescerem.
acho q fundos tudo bem, afinal não é tão relevante ao traço do autor, e tb eu mesma detesto fazer fundos... mas copiar ideias, poses, ai ja acho exagero!
ResponderExcluirmy blog - http://justanimesemangas.blogspot.com/