Vou tentar - tentar - fazer uma serie de postagens indicando bons mangas e tentando explicar por que alguem deveria ler. Comecando com a minha principal indicacao no momento, a serie Crows, e sua continuacao Worst.
Se trocarmos em miudos, essas series sao historias sobre nada de mais, ou sao historias colegiais nao romanticas, ou sao historias de gangues e briga. Em miudos, claro. A historia em si, tem um grande merito, que eh ser simples e marcante, o suficiente pra poder ser estigmatizadas com poucas palavras, mas nessa simplicidade, conseguir prender o leitor.
Eu sempre me surpreendo com o talento do autor, Hiroshi Takahashi, em narrar o nada, momentos estupidos de garotos estupidos, com um futuro nada promissor, um presente tambem nao muito motivante e simplesmente nada de melhor pra fazer da vida, alem de ir pra escola, encontrar os amigos, fazer bagunca... e brigar, claro, sempre com algum motivo.
A trama de Crows - trama soh inicial, claro - gira em torno de Harumichi Bouya, o tipico moleque de gangue dos anos oitenta (o visual, o topetao - que se chama Regent). Depois de arranjar problema no colegio onde ele estava, Bouya vai para o colegio Suzuran, conhecido como o lar dos corvos, o pior colegio da rede. Apesar de ter motivos pra nao gostar de se juntar em turminhas, Bouya logo consegue amigos leais, que o seguem, por amizade, respeito e ateh pra resolver rivalidades.
Logo a trama jah muda de rumo. Mesmo tendo em Harumichi Bouya o seu protagonista, Crows eh sobre a sociedade fechada dos colegiais japoneses, distante das comedias romanticas azedo-adocicadas. Distante um pouco tambem dos colegios dramaticos de outros mangas, como GTO e Life. Crows eh sobre a vida da turma do fundao, mas num colegio onde o fundao vai ateh a mesa do professor.
E eh incrivel como o motivo tao simples - brigas entre colegios, entre gangues - consegue virar ateh uma especie de historia de guerra. Existem estrategias, aliancas, conquista de territorio e baixas. Companheiros que vao pro hospital, alguns morrem e por mais estupido que seja, eh real. Muito real ateh.
Vemos tambem, claramente, uma sociedade particular. Existem gangues, grupos, rivais, grandes ameacas, uma certa cerimonia as vezes, regras particulares e um codigo de moral muito particular, mas tambem muito forte. Como historias de cadeia.
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Mas ateh ai, o que tornaria Crows distante de um filme imbecil de gangues americano? Acho que eh o lado sentimental de toda a historia. Nao, nao sentimental-romantico. Alias, sao poucos os romances, acho que podemos contar as personagens femininas nos dedos de uma mao soh. Nas duas series! O sentimento que aflora nessa historia eh o companheirismo, a amizade.
Crows mistura momentos de acao, com brigas entre colegios, com momentos reais e dramaticos, como quando um membro da gangue descobre ter uma hemorragia grave no cerebro, fruto das brigas interminaveis. Mas nao temos momentos chorosos. Vejam bem, sao um bando de moleques com o orgulho e a testosterona no pico. Nao tem espaco pra acucar. Os companheiros, todos quebrados e burros, soh conseguem pensar em uma coisa. Juntam todo o dinheiro que podem numa jarra e dao pro companheiro, pra pagar pelo menos uma parcela pequena do tratamento. Sem tristeza, esperando sinceramente o melhor.
Esse acaba sendo o charme de Crows. Os personagens, verdadeiros ateh a medula, sao burros, assumidamente, mas se esforcam por alguma coisa, pra melhorar pelo menos um pouco, mesmo que eles nao facam nem ideia de como melhorar o mundo. A visao de Takahashi para essa historia nao eh a de um bando de arruaceiros armando o barraco e comentendo crimes. Takahashi, que jah foi um desses corvos, ve esses garotos como pessoas realmente bem intencionadas, querendo uma vida melhor, mas sem saber pra onde ir.
Existe uma tradicao na historia de Crows e Worst. A cada fim de ano, quando os alunos mais velhos se formam, duas tramas sempre acontecem. A despedida dos personagens e o reestabelecimento da hierarquia dos colegios, com a entrada dos novatos.
Nas despedidas, sempre vemos uma mistura de sentimentos. O respeito dos mais novos, a saudade que fica nos formandos, os sonhos crescendo e em alguns casos, a realidade batendo. Claro, afinal, todos nos sabemos que o futuro de quem nao estudou no colegio eh bem estreito. Um caso que foi bem forte pra mim foi o fim que levou um dos capangas do vilao de uma das tramas. Largando o colegio pra ir trabalhar, o garoto bateu de frente com a frieza do mundo com as pessoas que vieram de um colegio com mah fama. Pior, as cicatrizes no rosto, marcas de alguem que lutou por seu orgulho, agora sao vergonha. O orgulho, que ele mostrava nas suas primeiras aparicoes jah tinha apagado, e agora ele abaixava a cabeca pra um magrela de oculos, que poderia muito bem estar tremendo de medo soh de olhar pra ele.
Essa camera documental do mundo das gangues que eh tao particular de Takahashi, rendeu frutos. Crows tem fans famosos no Japao, e apesar de ter passado anos sem ter um grande destaque, quinze anos apos sua estreia, Crows explodiu.
Nao que jah nao tivesse fama. Crows tinha seus leitores fieis, jah da epoca de sua publicacao original, de 1990 a 1998, mas foi com o kanzenban, a edicao definitiva, que saiu em 2004, que Crows explodiu.
Crows eh a serie mensal que mais vendeu em kanzenban. Num geral, suas vendas ficaram ao lado de grandes sucessos, como Slam Dunk e Dragon Ball. E isso eh um grande feito, ainda mais para uma historia publicada na Shonen Champion, a "quarta revista" shonen, sempre, sempre a sombra da Magazine, Sunday e Jump.
E isso rendeu frutos. Crows finalmente virou filme, nas maos de Takashi Miike, aquele que fez Sukiyaki Western Jango. Ok, aquele filme em que o Quentin Tarantino faz uma participacao. O que importa eh que ele eh um diretor cultuado no Japao, por sua visao pessoal e bem forte. No filme, Crows ficou um pouco mentiroso, por conta das pessoalidades do diretor, mas o que interessa estah lah. O orgulho, machista e fedido, o respeito e amizade entre os companheiros e aquela impressao de que todo mundo quer apenas encontrar o seu lugar no mundo, mas nao sabe como, e precisa tentar. E por isso eu considero um filme legal, mesmo nao sendo uma adaptacao fiel.
Alias, a historia do filme se passa antes do manga. Os novatos do filme sao os veteranos do manga. E o segundo filme, que estah estreando dah continuidade direta ao primeiro filme, mas ainda nao chega a historia de Bouya.
Essa eh na verdade, a segunda adaptacao. Na decada de noventa, Crows jah virou uma serie de OAV, que adaptava a batalha do colegio Suzuran contra a gangue Busou Sensen.
Se eu ainda nao consegui convencer voce a ler esse manga (ou nao, nao sei em quantas linguas ele jah foi traduzido - POR FAVOR, nao leia scan!!!!), se voce realmente nao se interessa por esse universo machista e suado, entao, soh posso dizer mais uma ultima coisa. Tente ler soh dez paginas (em geral nao tem tanto texto, eh rapido de ler) e parar. Tente parar de ler Crows. Serio! Eu li a serie toda em poucos dias, 26 volumes, mais alguns de Worst, que ainda estah sendo publicado. E como nao consegui parar, fui atras de outras series do autor, como QP e Kick. E series de seus assistentes/discipulos, como Hey! Riki. E de series inspiradas ou de fans, como Drop (que tambem virou filme recentemente, dirigido pelo proprio autor). E isso por que eu li no comeco PRA FALAR MAL!
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Eu indico Crows/Worst e toda a bibliografia de Hiroshi Takahashi. Katsura eh minha meta, Urasawa eh meu idolo, mas Takahashi com certeza eh o espirito. O espirito de querer contar uma boa historia, de todo jeito.
Sinceramente, tudo o que você fala é perfeito e alinha o sujeito ao trabalho de autores como o espanhol Jaime Martin, que tende a retratar o mesmo tipo de universo (mas que acabou meio que pirando na maionese com a história, em parte por causa dos excessos que vieram após a abertura pós-franquismo). Eu quero muito ler isso como se deve, também. :)
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