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23 de nov. de 2009

Projeto Motikomi, parte 4: quadros e funcoes - ATUALIZADO

Yo!

Mais um capitulo da serie de materias sobre manga, passando principalmente pela parte de criacao, mostrando um passo-a-passo de como eu vou fazer uma historia para ir bater a cara na porta da Shueisha. Minha intencao eh fazer um motikomi, como sao chamadas as apresentacoes individuais diretamente com o editor da revista. Claro, se isso me abrir essa porta, vai ser legal, mas soh o fato de poder aproveitar do conhecimento profissional de um editor da Shonen Jump jah vai valer.

E eh claro, se voce continuar acompanhando ateh lah, eu pretendo contar os detalhes. (e pretendo continuar copiando e colando a introducao!)

 

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Voltando ao assunto do capitulo anterior, vamos ver como funcionam os blocos de quadros e alguns quadros especificos.

O trabalho dos quadrinhos, de narrar uma historia com quadros, texto e imagens, pode ser encarado de uma forma bem simplista, mas a verdade eh que cada elemento tem seu valor e ignorar ou desvalorizar algum deles diminui muito mais o valor dos proprios quadrinhos.

Apos criar uma grande ideia, transpor ela em um roteiro bem organizado, e comecar a rabiscar um rascunho do que vai ser sua historia em quadrinhos, voce pode cometer um grande erro, que vai afundar toda sua historia.

Esse erro estah na ordem de leitura dos quadros. Temos como costume, o sentido de leitura ocidental, da esquerda pra direita, de cima pra baixo. E isso, de certa forma, eh uma regra dificil de quebrar.

Mas nos quadrinhos, nos nao seguimos exatamente um sentido linear. Ao lermos uma pagina de quadrinhos, nos seguimos com o olho pra cima e pra baixo, para os lados, na diagonal, seguindo sempre sinais, detalhes que puxam nossos olhos.

E isso que pode ser crucial na experiencia da leitura. Enquanto um livro soh depende de seu conteudo, o quadrinho tem o visual, para criar novas possibilidades e tambem, novos obstaculos.

Na leitura de um texto, como esse blog por exemplo, voce vai seguir a linha, quando ela acabar, voce vai voltar ao comeco, descer uma linha e continuar. Pra isso acontecer nos quadrinhos, voce precisa tornar os elos entre os quadros mais fortes, criar sequencias de quadros funcionais, que tornem tudo mais natural, tanto quanto eh a leitura de um texto.

A solucao mais simples eh criar sequencias de quadros exatamente iguais ou sem muita variacao, como foi feito em Watchmen, em que todas as paginas sao divididas em tres por dois, variando poucas vezes, mas sempre no mesmo padrao. Veja bem, nao eh um erro de Gibbons, e nao tira o merito da historia, mas eu acho que isso mata uma das maiores peculiaridades dos quadrinhos, tornando a narrativa muito mais proxima do cinema, soh que perdendo por nao ter som nem movimento real.

Mas se sua intencao eh criar uma historia com tempo e dinamica controlada, o melhor que voce tem a fazer eh aprender a usar o visual a seu favor.

Os tres elementos visuais que nos temos nos quadrinhos sao as bordas, os baloes e onomatopeias e a cena em si, com personagens e cenario. Mesclar eles corretamente cria uma historia mais gostosa de ler.

Antes de qualquer outra coisa, eh importante deixar claro que o simples eh o melhor. Nao que deixar os detalhes seja melhor, mas que detalhar muito nao faz parte dos quadrinhos. Deixe para a ilustracao comercial.

Isso em uma historia em quadrinhos preto e branca acaba fazendo muita diferenca. Por que sem as cores, a diferenca de niveis em sua historia ficam a cargo somente do que pode ser feito com o preto. Portanto, a diferenca dos tracos entre os planos, o uso de reticulas e as areas de preto, hachuras, tudo se torna muito mais importante aqui.

Li uma vez que o valor do preto em uma pagina eh de 60%, acima disso, a pagina fica muito preta. Abaixo disso, muito branca. Mas isso eh mais a efeito de curiosidade, porque nao acho importante criar regras que prendam sua criatividade. Mas eh importante saber que nao eh bom deixar uma pagina muito branca ou muito preta. Balanco eh tudo.

Em seguida, temos os quadros. A borda de cada quadro e a posicao dele em relacao aos outros vai fazer muita diferenca no ritmo de sua historia. Os quadrinhos americanos dos anos noventa tinham uma caracteristica no desenvolvimento das paginas, criado por mero impacto visual. Era o uso de quadros irregulares, posicionados de forma confusa, que atrapalhava em muito a narrativa. Quadros de formato nao retangular, com angulos mais fechados, ajudam se usados da forma correta.

Se voce usar esses quadros em momentos de acao, ajuda nao soh a dar velocidade e dinamismo na cena (pra isso, voce deve tambem escolher bem o angulo do quadro em relacao a cena, pra dar impacto ao movimento) mas tambem torna a pagina distinta das outras, de quadros retangulares, ajudando o leitor a reconhecer e parar pra ver as paginas se estiver, por exemplo, somente folheando a revista na banca. Mas use com sabedoria, nao jogue fora a narrativa em favor de um visual chamativo.

Outra coisa que herdamos dos quadrinhos americanos no Brasil foi o uso excessivo de quadros sangrados, que vazam pra fora do papel, ou de personagem e detalhes (e tambem onomatopeias) que saltam pra fora do quadro. Temos que tomar cuidado pra nao impedir a narrativa de fluir pelos quadros. E eh claro, por mais que seu quadro tenha espaco, tente nao colocar os elementos de destaque da cena muito distante da area central da pagina, na margem dos quadros que nao sangram.

Tudo o que estah vazando de seu quadro estah a um nivel acima de qualquer outro elemento da cena. Por isso, alem de chamar a atencao acima do normal, tambem pode pegar mais de um quadro. Isso pode ser interessante pra ligar as cenas, por exemplo, colocando uma onomatopeia, que seria um som em comum nos dois quadros, que os conecta, ou jogar um braco, dedo, espada, qualquer coisa, apontando pra cena seguinte. Nesse caso, tome o cuidado de nao se repetir. O objeto/personagem que estiver conectando as cenas nao pode aparecer duas vezes. Se ele jah estah em uma das cenas, vazando para a proxima, estude um angulo que conecte as duas cenas e nao precise recolocar o personagem na cena.

Alguns autores fazem inclusive dialogos entre dois ou mais quadros, conectando com os baloes sobrepostos aos quadros. Mas isso tambem deve ser feito com cuidado. Com os baloes, nao os vaze para fora do quadro a nao ser que sejam trechos importantes do texto, sempre lembrando que tudo o que sangrar estah um nivel acima de qualquer outra coisa da pagina, inclusive os baloes, que nao sao efeitos visuais da cena, mas que para os leitores, sao tao visuais quanto os outros elementos.

Outro cuidado a se tomar com quadros que sangram pra fora da pagina. Eles jogam a visao do seu leitor um pouco pra fora da pagina, e isso pode se tornar incomodo na leitura de sua historia, principalmente em momentos mais tensos e em conversas longas. Pode parecer visualmente monotono, mas quadros retangulares e de quatro lados, sem sangrar nenhum, sao a melhor forma de segurar o olhar de seu leitor dentro da pagina, como se fosse um ponto final que indica o fim de um paragrafo e joga a vista do leitor para o comeco da proxima linha.

Por ultimo, vale lembrar que nao se sangra nunca pra dentro da lombada. Perde-se elementos, por que em geral, fica dificil de ver o que tem nessa parte. Mesmo no caso de paginas duplas, voce deve tirar todo elemento de destaque da area que seria a lombada. Nada de rostos, maos, baloes, onomatopeias. O meio do livro sempre deve estar livre.

Depois de dizer nao para varias praticas comuns nos fanzines e ateh nos profissionais brasileiros, eu preciso voltar para dizer sim. Tudo o que foi dito eh verdade, claro. Mas se voce usar essas deficiencias a seu favor, sua pagina vai ganhar vida atravez do que poderia ser um defeito.

Experimente cortar uma cena sangrando de forma irregular, tente empurrar um ritmo mais dinamico em uma cena de dialogo, sangrando pra acelerar, fechando para criar tensao. Tudo depende de como seu leitor vai receber essa informacao, isso eh que nunca deve ser esquecido e eh talvez a unica regra de ouro dos quadrinhos.

Desconstruir a narrativa dos quadrinhos pode parecer tentador, principalmente aos mais jovens. Mas isso deve ser feito dentro dos limites do compreensivel, quadrinhos nao eh pra ser arte, eh comunicacao, se for arte, eh consequencia, mas nao deveria ser a meta pra nenhum quadrinhista. E voce pode (e deve) inovar sem precisar reinventar a roda. Eh soh encontrar o seu proprio caminho para contar suas proprias historias, e fazer esse caminho alcancar seus leitores. Lembre-se, comunicacao! Nao precisamos inventar novas linguas, mas sempre poderemos criar novas girias, novas expressoes, para enriquecer a capacidade comunicativa da nossa lingua.

Em Kung-Fu Baby Gu, eu escolhi por ser didatico, e por isso, todas paginas sao simples e praticas. Quadros basicos, todos os tipos de sequencias que eu lembrei, quadros retangulares em paginas paradas, quadros angulados em paginas movimentadas, etc. No momento em que eu escrevo esse texto, eu ainda nao tenho muitas paginas desenhadas (estou arrumando o roteiro em cima das dicas que recebi no J-Scout Caravan), mas nas que eu jah preparei, tomei o cuidado de nao criar quadros que atrapalhassem a narrativa, e durante o desenvolvimento da trama, usei ao maximo os quadros sangrados e tudo que pudesse pra reforcar a ideia de que eh uma historia de acao.

Acho que pra um leitor, eh muito importante ter uma historia facil de ler e facil de identificar. Boas historias voce consegue perceber ao folhear, sem ler um balao sequer, soh pela impressao visual. E o manga tem uma preocupacao especial com isso, jah que muito do publico costuma folhear as revistas em livrarias e lojas de conveniencias. Cada historia procura passar sua identidade nao soh nos desenhos e na historia, mas ateh no desenvolvimento de pagina. Leve isso em conta quando for fazer uma nova historia e lembre-se: Sua historia nem sempre vai ser avaliada com cuidado, numa leitura minuciosa. Todo esforco pra criar uma primeira aproximacao eh valido!

Existem quadros especificos, que tem certas peculiaridades que ajudam na identificacao e na narrativa em si. Vou citar alguns que sao mais comentados, por exemplo, num motikomi ou numa conversa qualquer com um editor japones.

O mais comum eh o que chamam no Japao de Mihiraki, que eh um quadro que pega as duas paginas, mostrando em geral (e de preferencia sempre) a cena mais importante da historia toda. Existem casos de autores que usam bastante esse quadro, como Taito Kubo, autor de Bleach, que faz muitas historias de luta com dois, tres, ateh mais do que isso. A historia fica muito mais chamativa visualmente, mas pode levar a historia a ficar mais fraca, principalmente por nao ter um quadro especialmente forte.

Uma historia sempre precisa de um momento marcante, em que voce vai jogar toda a forca de sua historia. Em geral, eh nessa cena que nos fazemos uso de quadros especiais e diagramacoes fora do comum.

Outro tipo de quadro muito usado eh o Sutegoma, um quadro que impede a narrativa em certo ponto, travando todos os elementos nele. Serve para indicar o fim de uma sequencia, como um ponto final, e pode ser usado pra fechar uma cena tensa. Por exemplo, numa conversa, um dos personagens bebe um uisque e no fim da sequencia, um close do copo, em geral com os cubos de gelo se mexendo um pouco. Fica bem claro o fim da sequencia, por mais que a conversa em si pareca pela metade. O termo, Sutegoma, significa literalmente “quadro jogado fora”, por que ele eh aparentemente inutil e trava a cena. Mas eh interessante usar ele para pular para uma cena completamente diferente sem confundir seu leitor. Yoshiyuki Sadamoto usa muito em Evangelion.

Tambem se fala muito em Long, um quadro comprido com uma visao aberta da cena, muito util para situar o leitor quanto ao local, o espaco e a distancia. Eh muito usado em quadrinhos de esporte, para dar uma impressao real da distancia que falta para um gol, para uma cesta de tres pontos, quantas jardas faltam para o touchdown, etc. O termo long vem de longshot, vista panoramica.

Outro mais simples eh o Close Cut. Claro, eh o mais conhecido e todo mundo jah deve saber que se trata de uma imagem muito proxima de algum rosto ou detalhe. O cuidado aqui eh nao abusar. Historias em close sao faceis de desenhar, mas sao pesadas. O uso do close eh pra dar impacto a expressao do personagem, deixar claro um sentimento. Em todo o resto, o ideal eh localizar a camera pra pegar pelo menos o peito dos personagens e a cabeca inteira, ou o plano americano, da metade da perna pra cima. Cuidado soh pra nunca cortar uma cena em uma dobra, tipo no joelho ou cotovelos. Dah a impressao de que a personagem tem o membro amputado.

Sempre que for usar o close, lembre soh de nao usar como uma muleta para deficiencias de desenho, e sim pra acentuar o aspecto psicologico da cena. Usando dessa forma, nao tem erro e sua historia nunca ficarah pesada.

Na proxima, veremos a organizacao visual dos quadros.

*Infelizmente, pensei muito sobre isso, mas decidi que nao vou poder jogar imagens nas materias do PM por enquanto. Eu ateh comecei a preparar alguma coisa, mas me levaria muito tempo, que preciso conciliar com outras coisas, inclusive com a propria historia. Mas prometo que terminando ela, eu preparo umas ilustracoes pra tornar a leitura mais compreensivel, e aproveito pra editar tudo, quem sabe ateh com acentos (se eu arranjar um comp nao-japa). Desculpem o atraso e o desleixo com o blog, e agradeco o apoio de todo mundo, que mesmo nao comentando, estao sempre voltando para ler. Obrigado!

7 comentários:

  1. Parabéns pela sua perseverança, e mais importante, não desista! Esses posts são sempre legais de se ler e provam que apesar de qualquer coisa, dá pra ver claramente que você sabe realmente o que está fazendo. E fazendo bem.
    Pode até ser que sua história não seja aprovada ou que qualquer outra complicação apereça no caminho, mas tudo isso tá contribuindo de uma forma ou de outra para o seu "eu" interior.
    Continue e Good Luck!

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  2. Estou acompanhando o blog também, sempre que visito tem algo interessante novo.

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  3. Este comentário foi removido por um administrador do blog.

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